Segunda-feira, 19 de Abril de 2010

Por vezes pessoas tolas perguntam-te, com o seu ar tolo, quem gostarias de ver caso te dessem uma única oportunidade para voltar atrás no tempo. «Uma única pessoa» e «voltar atrás no tempo» são – o leitor menos atento é que ainda não compreendeu – ilógicas do ponto de vista que o Homem quiser. É um contra-senso. Poderíamos pensar no senhor Eça, e em puxar-lhe os bigodinhos enquanto nos deliciávamos ouvindo a sua voz nasalada – aposto que tinha voz nasalada, pelo nariz afilado. Poderíamos pensar no senhor Wittgenstein, e perguntar-lhe quem raio lhe fez mal para ele ter sempre aquele ar assustado. Poderíamos pensar no senhor Sócrates, e tentar descobrir-lhe a loucura por se achar esperto assim apenas e só por causa de um Oráculo – logo ele, que era o mais inteligente dos homens, a deixar-se enganar. Poderíamos pensar em milhares e milhares de pessoas, de forma egoísta e com o único propósito de, depois, voltarmos ao mundo que era o nosso – nunca mais voltaríamos a achar nosso o nosso mundo – e dizermos, alto, gritando, de pé em cima de uma cadeira em cima de uma mesa, que tínhamos tocado um finado distinto. No entanto, quando lemos a carta que Kafka escreveu ao pai, quando sentimos a amargura, a infelicidade, o vazio, a impotência, ficamos, só podemos ficar, com vontade de mandar os bigodinhos do Eça, as loucuras de Wittgenstein e as sapiências de Sócrates para um lugar menos verbalizável e de ir a correr pelo canal ao encontro daquele pobre e desgraçado génio e apertá-lo, no abraço que ele sempre quis e que nós nunca tivemos.



# Tiago Moreira Ramalho às 21:49 | | comentar

autoria
Tiago Moreira Ramalho

twitter
arquivo do blogue

Fevereiro 2013

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

subscrever feeds