Quarta-feira, 14 de Setembro de 2011

Vou impor uma regra a este texto, que é a seguinte, que passo a explicar: o texto vai ser grande. Vou impor uma nova regra a este texto, que é a seguinte, que não vou explicar: não vou voltar nunca atrás, isto é, não haverá arranjos por cima de arranjos, preocupações com frases curtas e longas, palavras belas e feias, ritmos e toda a parafernália habitual de quem se julga bom escritor. No limite, quero apenas escrever um texto longo e desafiar essa obrigação de ter, num texto, especialmente num longo, conteúdo. Não vai ter conteúdo. Ou melhor, conteúdo terá, pelo suceder de proposições (daquelas cuja veracidade é verificável e tudo – as outras ficam de fora, até porque nunca as conheci e não gosto de estranhos à minha volta), mas não será conhecimento (se é que isso há em algum texto) nem qualquer outra coisa transmissível. Não será um suceder de ideias com nexo, até porque não tenho sensibilidade num dos dedos dos pés, que os ingleses fazem muito bem em chamar coisa diferente do que chamam aos dedos das mãos e, mais impressionante, aos polegares. Afinal, se os polegares oponíveis são, mais do que o cérebro, que cresceu depois, aquilo que nos define, como poderemos metê-los numa amálgama indiferenciada de vinte dedos, alguns tão irrelevantes como o mindinho do pé. E agora quase que rocei o conteúdo, mas a regra imposta impede-me de apagar. Imponhamos uma nova regra: mesmo que haja conteúdo, pelos direitos de autor, o leitor fica proibido de o transmitir. Mais que isso, fica proibido de dizer que leu este texto. O que é uma pena, porque vai ser um texto longo e, geralmente, nós orgulhamo-nos de ler textos longos. Veja-se o delírio colectivo com os novelistas russos – a malta gosta é deles grandes, saberá o Senhor Deus porquê. Claro que se o leitor mais vaidoso, isto é, daquele tipo de leitor que anuncia o próprio farto, principalmente quando é rijo, como o do D. João V no princípio daquele livro, ai, que me lembro do nome, só para dizer que acrescentou algo ao mundo, pode perfeitamente deslocar-se para a saída da Internet, ou pelo menos para a saída deste blogue (é ir sempre para cima, virar à direita e ir até lá ao fundo). Não o condeno. Aliás, se eu me deparasse com um delírio desta natureza num qualquer blogue, tinha duas hipóteses: ler ou não ler. O teorema da alternativa nunca foi tão bem aplicado como agora. Obrigado, obrigado. Pronto, já chega. Prossigamos para o sítio de onde viemos. Então, agora que fiquei sem conteúdo, coisa que me tem ocupado o espírito nos últimos milénios – o espírito é eterno e o caralho, a memória é que é curta, dizem os entendidos. Por falar em memória curta, não costumo sofrer disso – é coisa de gente limitada. Não tenho, no entanto, memória de elefante, não deixando, no entanto de novo, de me intrigar pela natureza da expressão. Não sei de que tamanho é o cérebro elefantino, quão desenvolvido se encontra e tudo mais, mas se a memória, tirando umas merdas que vemos, é essencialmente um fenómeno linguístico, não me corrijam se eu estiver enganado, isto é matéria de fé, é como os preservativos para os da missa, como é que podemos aferir, sem passar pelo ridículo de entabular conversação com um mamífero de porte considerável, se a memória é desenvolta ou essencialmente básica? Odeio o ponto de interrogação, palavra de honra. Gostava de um dia falar com as pessoas que inventaram a pontuação. Tenho muita estima por quem inventou a palavra ‘bola’, por exemplo, mas nenhuma por quem inventou um traço com um ponto em baixo ou uma coisa serpenteada também com um ponto, no caso, igual em baixo. Era chegar ao pé deles com uma coisa serpenteada com um ponto em baixo e enfiar-lhes aquilo pelo rego das nalgas a cima, para verem como se sente um texto puro e inocente corrompido por pontuação estranha e, no limite, e agora entramos na avaliação estética de nível superior, feia. Se quero exprimir uma pergunta, faço a pergunta e, caso não seja óbvio pelo arranjo sintático que se trata de uma questão, coloco, no limite, uma vírgula e coloco a adequada forma do verbo ‘perguntar’. O mesmo para exclamar. Para quê, então, estas simplificações aberrantes, pergunto. Bando de idiotas, apetece exclamar, mas não chegamos a exclamar, porque, na verdade, a exclamação por vezes é desnecessária e, até, prejudicial. O pessoa dizia que a histeria, que no tempo dele era uma coisa diferente porque se escrevia com ípsilon (como é que duas palavras diferentes podem exprimir exactamente a mesma coisa, pergunto) nas mulheres dava para o berreiro, mas que nos homens acabava, que lindo, em silêncio e poesia. A verdade é que raramente me calo e nunca consegui escrever um poema, portanto arrisco dizer que o Cesariny era gajo para ter razão quando falava do Ulisses regressado: ‘O HOMEM É UMA MULHER QUE EM VEZ DE TER UMA CONA TEM UMA PIÇA’. Oremos, que a sabedoria das mulheres com piça, o que no caso quase perde o efeito metafórico, ai que malandro, a mandar uma indirecta referente à orientação sexual do poeta que, ainda por cima, jaz morto algures – onde, pergunto –, é infinita. Apercebo-me que há ensaios sobre o mundo que são substancialmente mais curtos que este texto, o que não deixa de ser um belo retrato deste tempo: as coisas que falam de coisas são pequenas, as coisas que não falam de nada são palavrosas, autênticas verborreias, que me faz pensar em diarreia do verbo. O verbo de caganeira deve ser uma imagem bonita. A cagar particípios em catadupa ou pretéritos imperfeitos em caganitas secas, como as ovelhas. O verbo é um animal que em vez de ter cu para cagar tem bocas para o dizer. Faltam as maiúsculas, mas não quero copiar o outro senhor, que, calhando, era uma senhora que em vez de ter uma cona, tinha uma piça. O Al Berto dedicou-lhe um poema. Fiquei emocionado quando soube. As comichões também são, regra geral, coisas desagradáveis. Tem de se meter pomada. Mas não era disso que estávamos a falar. Estávamos ainda, porque não gostamos de mudar de repente, no nada. Gosto da palavra nada em ‘inglês’. Ou melhor, gosto das distinções. Porque se queremos dizer que aqui não há nada, dizemos que há nothing aqui; mas se acaso nos dá para soltar um delírio sobre ‘o’ nada, então já falamos de uma espécie de vocábulo tropical: nothingness. Tem a sua graça. Tudo tem a sua graça. Até este texto terá alguma, queremos acreditar, lá no fundo. 



# Tiago Moreira Ramalho às 12:05 | | comentar | (4)

Domingo, 11 de Setembro de 2011

Há uma frustração profunda naqueles que procuram viver na arte, apreciando-a, conhecendo-a, explicando-a sem nunca, no entanto, serem capazes de criar. O amante de poesia que nunca se atreveu a não rasgar os versos que miseravelmente escreveu. Nunca me atrevi a deixar em letra de forma algo a que alguns chamariam poesia, mas que em mim gerava a simples repulsa do embaraço. E se volto a escrever neste blogue, não se augura muito de bom.



# Tiago Moreira Ramalho às 21:36 | | comentar

A produção artística não faz sentido se dissociada de uma qualquer motivação. Daí que faça mais sentido falar em ‘expressão artística’ do que em ‘produção artística’. ‘Expressão’ remete para uma libertação; ‘produção’ para uma troca. É por isso que os grandes artistas, os que perduram, são os que, na essência, nos dizem algo. Geralmente, mais do que sobre eles, sobre nós neles. 



# Tiago Moreira Ramalho às 21:35 | | comentar

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Tiago Moreira Ramalho

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