Sexta-feira, 5 de Fevereiro de 2010

No mundo ideal, eu concordaria sem hesitar com o Pedro Marques Lopes em questões relacionadas com a divulgação de escutas pelos meios de comunicação. De quaisquer escutas: fossem de empresários, de políticos ou de cidadãos comuns. Isto aconteceria no mundo ideal, porque no mundo ideal, quando o sistema judicial dissesse que determinada escuta não tinha conteúdo criminal, eu poderia acreditar; quando um caso estivesse em investigação, eu confiaria nos investigadores; quando uma sentença fosse dada, eu acreditaria na qualidade da mesma. Ora, eu e o Pedro (e mais umas pessoas, mas agora não estou a falar delas) sabemos perfeitamente que este mundo não é o ideal. Nem se aproxima disso. E a prova disso é que escutas com conteúdo manifestamente indiciador da prática de crimes são divulgadas depois de serem dadas como inúteis para os processos em que estão envolvidas. Perante isto, o cidadão vulgar, como eu, fica perante um dilema: acreditar com uma cegueira que deveria ser própria da Justiça nos pronunciamentos da dita ou, em alternativa, desconfiar. Desconfiar muito e não ter pruridos em escrutinar activamente a actividade judicial.

É aqui que está o cerne da discussão em torno das violações do segredo de justiça. Um país que não tem uma justiça que respeite os patamares mínimos da decência opta, mais cedo ou mais tarde, por largar as regras institucionais e regressar à selvajaria. E isto não é necessariamente mau. O Pedro dir-me-á que o melhor que temos a fazer é melhorar o sistema, mas sem nunca interferir ou tornar público aquilo que é sigiloso. Esta é uma ideia relativamente simpática, só que não responde a um problema importante: então e os casos que ficam mal resolvidos na «transição» ou na «pré-transição» de um mau sistema para um possível bom sistema? Sabemos que os casos nunca são perfeitamente resolvidos e que nunca são todos resolvidos, mas há limites. Quando ao longo de anos a fio nos deparamos com escândalo a seguir a escândalo envolvendo a classe política, temos de deixar os mencheviquismos de lado. É triste, sim, mas é a única alternativa viável. A outra, a inviável, seria deixar o regabofe fluir sem freio até que nos tornássemos um pseudo-estado do tipo africano.
E aqui entra a tese de Pedro Lomba que, a bem da verdade, tem razão no mundo que é o nosso – o que não é ideal. Se fecharmos os olhos aos factos e olharmos apenas para os métodos, o que acabará por acontecer é que, mais cedo ou mais tarde, já não teremos possibilidade para abrir os olhos seja em relação ao que for. Teremos um país tão minado pela corrupção e pela promiscuidade entre política e justiça que, por mais que queiramos assumir a postura do Pedro Marques Lopes e defender as regras estabelecidas, não conseguiremos. Não conseguiremos e, aí, acabaremos por enfrentar uma situação verdadeiramente grave.
É óbvio, e quase escuso dizê-lo, que a situação de termos a Justiça feita nos jornais e nas televisões não é, de todo, sustentável. Mas, numa situação limite acaba por se tornar o mal menor. Só teríamos o problema da Justiça resolvido quando tivéssemos uma efectiva separação de poderes, sem os saltos à Rui Pereira e sem os partidarismos à Cândida Almeida, quando tivéssemos um sistema independente não apenas na fachada, quando tivéssemos leis decentes e quando os magistrados, titulares de um órgão de soberania, não tivessem um sindicato – e que tal um sindicato para o governo ou para o Parlamento? Mas, claro, tudo isto é coisa para outro que não este sítio neste tempo, pelo que temos de nos conformar com a crua necessidade de recuarmos a um estado pré-civilizacional, mas às vezes tem de ser.


# Tiago Moreira Ramalho às 20:19 | | comentar

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Tiago Moreira Ramalho

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