A mais recente norma tácita da sociedade portuguesa é a de que não podemos, sob circunstância alguma, alertar para as sérias dificuldades do país. Leis semelhantes eram realidades em Moscovo e em Berlim aí por meados do século XX. Havê-las agora é um simples sinal de decadência e, temo, de algo mais.
O argumento é sempre o mesmo: a reacção dos mercados internacionais. Segundo a intelligentsia autóctone, ousar assinalar a tragédia ou fazer qualquer comparação com outros países é um crime de lesa-pátria, próprio dos irresponsáveis e dos derrotistas que não acreditam no desígnio nacional e que, portanto, não merecem o respeito do abençoado povo lusitano.
Primeiro tivemos um comissário, um diabo vestido de Prada, quem sabe, a comparar-nos com a Grécia, como se houvesse comparação possível!, clamavam. A seguir os economistas mais ou menos reputados e, por fim, a líder da oposição. Enfim, tudo gente de vistas curtas sem capacidade de entender a grandeza do Reich, perdão, de Portugal.
Ao contrário do que a corte socrática propagandeia, não é escamoteando o problema que vamos conseguir ultrapassá-lo. Aliás, a corte socrática parece querer passar um atestado de estupidez aos investidores internacionais ao afirmar que se nos mantivermos caladinhos eles não notam a desgraça. Claro que toda esta ladainha serve para que, pelo menos, não haja uma responsabilização, apesar de a responsabilidade ser evidente. Mas deixemos isso de parte, porque, enfim, tal como atesta a estupidez dos investidores internacionais, José Sócrates também ambiciona atestar a estupidez da populaça que o elegeu. E disso somos nós, enquanto colectivo, os culpados.
Só no dia em que houver uma confrontação do país com os problemas sérios, muito sérios, que atravessamos é que poderemos ter alguma saída. Preclaro leitor, um défice de 9% é um recorde histórico. Disto, só na primeira República, quando andávamos numa guerra mundial e tínhamos um regime instável decorrente de um golpe militar. Desde aí, nunca mais se viu. Entenda-me, leitor: a situação financeira do país é algo com que não lidamos há quase cem anos e é algo com que não deveríamos ter de lidar agora, independentemente da crise.
Não é, preclaríssimo leitor, com silêncios e sombras que vamos conseguir sair do buraco, iludindo os americanos, os ingleses ou os alemães. É com uma séria confrontação do problema. Com a noção de que de duas uma: ou abdicamos de alguma qualidade de vida agora, ou abdicamos de muita qualidade de vida daqui por algum tempo. Por muito que nos queiram entupir com os discursos de punho erguido, uma coisa é certa: com conversa e ilusão, não resolveremos a falência do país.
Publicado originalmente no Expresso Online.