Isto é um pecado sem perdão, pelo que, preclaríssimo leitor, trato de repor a situação rapidamente. Não é possível citar uma estrofe de Deslumbramentos. Quando se cita, cita-se tudo, a bem da decência. Aqui vai, mas cuidado, que ler este poema sem ser em pé, com voz alta e entoação correcta é pecado ainda maior:
Mylady é perigoso contemplá-la Quando passa aromática e normal, Com seu tipo tão nobre e tão de sala, Com seus gestos de neve e de metal.
Sem que nisso a desgoste ou desenfade, Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas, Eu vejo-a, com real solenidade, Ir impondo toilettes complicadas!...
Em si tudo me atrai como um tesoiro: O seu ar pensativo e senhoril, A sua voz que tem um timbre de oiro E o seu nevado e lúcido perfil!
Ah! Como me estonteia e me fascina... E é, na graça distinta do seu porte, Como a Moda supérflua e feminina, E tão alta e serena como a Morte!...
Eu ontem encontrei-a, quando vinha, Britânica, e fazendo-me assombrar; Grande dama fatal, sempre sozinha, E com a firmeza e música no andar!
O seu olhar possui, num jogo ardente, Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo; Como um florete, fere agudamente, E afaga como o pêlo dum regalo!
Pois bem! Conserve o gelo por esposo, E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos, O modo diplomático e orgulhoso Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.
E enfim prossiga altiva como a Fama, Sem sorrisos, dramática, cortante; Que eu procuro fundir na minha chama Seu ermo coração, como a um brilhante.
Mas cuidado, mylady, não se afoite, Que hão-de acabar os bárbaros reais, E os povos humilhados, pela noite, Para a vingança aguçam os punhais.
E um dia, ó flor de Luxo, nas estradas, Sob o cetim do Azul e as andorinhas, Eu hei-de ver errar, alucinadas, E arrastando farrapos - as rainhas!
Mas qualquer regime que tenha de se auto-comemorar, recolhendo pela força o produto do trabalho de todos, é um regime sem grande viabilidade. O século XX está cheio disso.
«– Eu mostrei-lhe francamente as minhas botas. Estas – disse, apontando para os botins mal engraxados – tenho muita honra nelas, são de quem trabalha…
Porque publicamente costumava gloriar-se de uma pobreza, que intimamente não cessava de o humilhar.»
Neste pedacinho de um dos grandes livros de Eça de Queirós – O Primo Basílio –, está Portugal. Julião, que se orgulha publicamente das suas botas gastas e da sua pobreza «de quem trabalha», poderia ter qualquer outro nome menos literário, convenhamos, como «Zé Povinho». É o português típico que, publicamente, ataca quem enriqueceu – independentemente da forma, seja honesta ou desonesta – sendo que, no íntimo, inveja tal sorte. A ideia muito portuguesa de que ser pobre é um valor em si, de que qualquer empresário, empreendedor ou qualquer pessoa realizada não é merecedor de consideração, atirando-se, muitas vezes, com a célebre frase de que «a trabalhar ninguém enriquece» – assumindo-se que para que alguém possa enriquecer tem de recorrer à malandrice, é, provavelmente, um dos principais causadores do nosso atraso. Um país, para ter sucesso, tem de olhar para quem tem sucesso. No nosso país, quem enriquece é alvo dos ódios que destruíram boa parte do mundo no século passado. Claro que muita da responsabilidade deste ódio advém de um certo espírito aristocrático que cem anos de república não conseguiram destruir e do pretensioso novo-riquismo de muitos dos que subiram na escala social – talvez o próprio Primo Basílio seja um exemplo disto. Será assunto para um outro post.
O segundo produto mais procurado no iTunes italiano é uma compilação dos discursos de Benito Mussolini. Como seria de esperar, multidões condenam a empresa e o responsável, um jovem de 25 anos com nenhumas pretensões políticas, segundo o próprio, por tal produto encerrar um elogio ao fascismo. Isto é, obviamente, absurdo. Mussolini, quer se goste, quer não, é uma das grandes figuras do século XX e os seus discursos terão, certamente, imenso interesse do ponto de vista histórico e dado o preço irrisório – oitenta cêntimos – parece-me natural que os italianos tenham curiosidade. Se houvesse uma compilação dos discursos de Salazar em Portugal, certamente o fenómeno seria semelhante. Nada disto significa, por si só, uma aceitação explícita ou implícita do conteúdo dos discursos, mas apenas uma curiosidade legítima sobre o que terá levado metade do nosso mundo, metade dos avós de todos nós e, até, alguns de nós, a aceitar e defender as ideias expressas nos discursos. Claro que o Partido Comunista Italiano pede a proibição da venda do produto. O jovem autor, coitado, tenta “redimir-se” do “pecado” de divulgar história anunciando a ideia de, qualquer dia, fazer coisa semelhante para Gandhi e teve, até, de escrever um disclaimer na página onde vende o produto, dados os ataques, insinuações e ofensas. Já não basta que se proíbam ideologias, num esforço patético de controlar os pensamentos através da lei, também há quem queira apagar a história ou, pelo menos, proibir a sua divulgação. Um admirável mundo, este.
Não há «classe» neste mundo que seja de menos confiança que a dos escritores ou a dos proto-escritores, pseudo-escritores, o que quiserem. E não há porque essa gente, essa, independentemente do que diga, só sabe escrever sobre o que conhece, o que vê, sente e ouve. E tal como, como dizia Keynes, todas as nossas ideias são responsabilidade de um gajo morto qualquer, também as “estórias” de cada um não são mais que mantas de retalhos de coisas vistas. Uma conversa esquecida na adolescência, um raspanete de um parente ou uma consulta médica.
Nunca, mas nunca, preclaro leitor, confie, como nos diz ali o ouriquense, que é gajo sábio em coisas várias, em alguém com ambições literárias. Nunca.
1. Ser banqueiro não é uma actividade ilícita. É uma actividade como qualquer outra, independentemente daquilo que os brainwashers profissionais costumam apregoar. É por isto que a taxa sobre bónus dos banqueiros é um disparate. É um disparate porque traz uma discriminação que não se compreende. Se é um problema de receita e se o propósito é aumentá-la através das empresas, devia ter havido um aumento do IRC. O Estado não tem de penalizar actividades conforme a conveniência.
2. As justificações, claro, foram absurdas. Aprovar esta medida com base no que se fez no estrangeiro é pura falácia. Mas isso Ricardo Reis, no i, explica melhor.
O Carlos Santos às vezes acerta e, desta vez, acertou, como é que se diz lá na Gália?, na mouche. Um Abrantes, dois Abrantes, três Abrantes, mil Abrantes, é contá-los – sendo necessária uma certa escolaridade acima disso das novas oportunidades – atropelam-se para, à vez, e sem dar nas vistas, publicar coisas e mais coisas, despachos e mais despachos, disto e daquilo e agora não são capazes de um pequeno arroto sobre o Orçamento. Um aglomerado populacional substancialmente mais denso que a Trafaria que dedica todas as horas, livres ou não, a estudar com pinça e luva o Diário da República desde o Afonso Henriques não é capaz de tecer considerações com o rigor acostumado sobre um Orçamento que devem ter analisado à minúcia em menos de um segundo e meio? Uma pessoa fica de pé atrás, que é como quem diz, desconfiada.
A minha tese, que elaborei depois de decidir copiar o Carlos Santos, é que ficaram tristes por irem perder um pedacinho do poder que compra – é assim que se diz, não é? Pessoalmente, aconselho-lhes o descanso. Certamente virá um ajuste directo ou coisa assim. Diz que o fellatio anda com muita procura e por aqueles lados a disposição para produzir não escasseia.
Depois de eu ter feito os primeiros agradecimentos públicos, ora pois, o Tiago Mota Saraiva tratou de repetir um «olha ali o gajo» e meteu, novamente, um link na palavra «gajo». Acrescentou que polemizaríamos, linda palavra, e eu anuo, outra linda palavra. Venham as polémicas, tão gostosas.
Além do Tiago, também a Isabel Goulão, perdão, a Miss Pearls, assim é que é, fez o favor de dizer «olha ali o Tiago», sim, porque a Isabel não ia dizer «gajo» assim sem mais nem menos. Fez, claro, o link algures na frase.
O “ALM” (adorei a ideia das aspas, ó ex-colega), fez-me um “link macio”, perguntando-me – ou, numa de retórica, perguntando-se – se eu já tinha ouvido falar de Hannah Arendt, a propósito do meu post sobre a postagem industrial de imagens do holocausto. Bom “ALM” (isto é brilhante, a sério, os meus parabéns), então não já? Diz que tem umas ideias muito engraçadas, envoltas numa capa assim meio alaranjada, sobre a revolução que são alvo da minha atenção quando me dá para isso, além de ser senhora de umas ideias que, confesso, desconheço sobre o “mal”. Também lhe sei as paradoxais badalhoquices com o senhor Heidegger, que é, segundo o meu ex e seu actual “autor”, talvez o maior filósofo do século XX, apesar de tudo o que a gente sabe. Olhe, a propósito das badalhoquices, está a passar uma peça no Teatro Aberto – quinze euros para aqueles que, ao contrário de mim, já não são jovens – chamada, ora pois, “Hannah e Martin”. Está a ver a ideia não está? Fico muito contente, “ALM”.
Agora que se discute se Steve Jobs vai “morrer” outra vez, é bom ouvi-lo, nem que seja só porque sim, a explicar-nos o óbvio. Parece-me, leitor, que “este” Steve Jobs é bem mais interessante que o outro, o engenhocas.
Ontem foi o dia de recordar o Holocausto. Como se fosse preciso haver um dia para recordar o Holocausto. Obviamente, por toda a blogosfera se publicaram imagens horríveis dos campos de concentração. Gente morta, pele e osso, amontoada como se fosse lenha ou palha. Gente que morreu, tal como ouvi a Irene Pimentel dizer ontem, de modo «industrial».
Eu percebo que a intenção de quem publicou as imagens seja extraordinária, oscilando entre a demarcação e o puro combate. No entanto, quando imagens dessas se banalizam, o horror quase se perde. O efeito deixa de existir. Quando o horror é banalizado, através da publicação, também industrial, de imagens a retratá-lo, nós, com o nosso pífio sentido de adaptação, acabamos, mais cedo ou mais tarde, a deixar de lhe dar importância. Parcimónia na divulgação, a bem da memória.
O preclaro leitor pode pensar que isto é fácil, mas não é. É extremamente difícil dizermos assim, sem mais nem menos, que concordamos com o Daniel Oliveira. Ainda por cima quando o indivíduo, todo muito televisão e tal, cheio de coiso, não nos merece particular estima a nível pessoal. Mas também é isto a blogosfera, leitor.
A verdade é que esta proibição do uso do véu integral em França é claramente inaceitável e deveria ser alvo de condenação por parte da União Europeia, que ainda serve para estas coisas. O argumento de que há algumas mulheres a usar o véu de um modo não voluntário e que, por isso, o devemos proibir de todo refuta-se a si próprio. Porque se assumimos que são apenas algumas mulheres a usar o véu contra a sua vontade, assumimos, também, que as há a usá-lo de livre iniciativa. Parece louco? O mundo é louco, querido leitor, e se nos detivéssemos mais a observar aquilo que fazemos de forma voluntária acabávamos chocados.
Sendo o argumento claramente inválido e estando isso à vista de qualquer um, o avanço da lei apenas pode significar outra coisa: é uma demonstração do mais básico desrespeito por uma cultura minoritária que tem tanto direito às suas práticas como qualquer outra, desde que não causem dano a ninguém. É mais uma demonstração de como a Europa, tão senhora de si, deixa estalar o seu verniz perante o mundo árabe, legitimando os radicalismos. O método costuma ser muito curioso: nesta situação, era a "liberdade" das mulheres; nos minaretes da Suíça, eram as paisagens. Enfim, há todo um mar de falácias disponíveis para esta gente. E esta gente não tem problemas nenhuns em tirar-lhe o proveito.
O Andrew Sullivan escreveu um texto muito giro sobre, ora pois, masturbação. Melhor dizendo, sobre o facto de a Igreja condenar a masturbação. Ide ler, que está precioso.
O sr. Raja Mohan, um senhor que, sem dúvida nenhuma, usa bigode, escreveu no Indian Express de há uns tempos um artigo curioso. Ó leitor, com curioso parece logo óbvio que o que eu estou realmente a dizer é disparatado. E, neste caso, o que parece é.
Defende o sr. Raja Mohan que seja a Índia a comandar os destinos da Commonwealth, uma das mais antigas, se não mesmo a mais antiga, organização internacional com um objectivo de cooperação. Em economês dá-se-lhe o nome de zona de preferências aduaneiras. Eu não gosto muito da palavra «aduaneira», mas o leitor tem a minha permissão para a usar a seu bel-prazer.
A ideia é, a meu ver, tola por vários motivos. O primeiro motivo é histórico – pouco persuasivo, portanto – e prende-se com o facto de a Commonwealth ser uma produção britânica e ter resultado bastante bem até agora (o leitor já reparou que de todos os impérios coloniais, o inglês foi aquele que produziu mais frutos após a desagregação?). O segundo motivo prende-se mais com a questão política em si. Não é que eu seja um eurófilo ou coisa parecida, leitor. Apenas me deixa apreensivo a ideia de uma organização que une países que, no seu conjunto, representam cerca de 15% da riqueza mundial, seja liderada por um país onde os direitos humanos ainda não são propriamente uma coisa bem vista, digamos assim, e que, bem vistas as coisas, é um país que apenas há pouco mais de cinquenta anos se tornou independente depois de uns quantos séculos de domínio estrangeiro. Digamos que não terá, certamente, uma organização política muito estável, o que levará a que países como o Canadá ou a Austrália não lhe dêem muito crédito nesta matéria. Mas isto é só a gente a falar.
De qualquer modo, o bigode do sr. Raja Mohan, bem como o resto todo, podem continuar a tentar brincadeiras destas. O patriotismo exacerbado ainda não é proibido por aqueles lados e, bem vistas as coisas, “isto” anda de tal maneira que, calhando, a coisa ainda pega.
Qualquer Orçamento de Estado neste momento que aumente benefícios fiscais e que não acabe com os apoios extraordinários trazidos pelos “pacotes anti-crise” é um fracasso. Este Orçamento, a bem da “calmia”, não toca em nenhum dos apoios que automaticamente se transformaram em “direitos adquiridos”. Para os partidos, o essencial é trazer para a televisão duas ou três “medidas” para a fotografia. Finanças Regionais, um imposto ou outro e é só. Mais tarde agradecer-lhes-emos.
Isto de ameaçar pessoas ainda resulta. Amedrontados com a perspectiva de levar pontapés de força nas canelas, uma série de pessoas decidiu dizer «olhem, está ali o gajo» e meteram uma ligação na palavra «gajo» e as pessoas lá vieram, como quem vai. Sucede pois que tenho de lhes agradecer – outra coisa não era de esperar de uma pessoa tão educada como eu. Portanto, obrigadinhos aos extraordinários blogues que se seguem, todos merecedores de visita demorada por parte dos meus extraordinários leitores.