Por vezes pessoas tolas perguntam-te, com o seu ar tolo, quem gostarias de ver caso te dessem uma única oportunidade para voltar atrás no tempo. «Uma única pessoa» e «voltar atrás no tempo» são – o leitor menos atento é que ainda não compreendeu – ilógicas do ponto de vista que o Homem quiser. É um contra-senso. Poderíamos pensar no senhor Eça, e em puxar-lhe os bigodinhos enquanto nos deliciávamos ouvindo a sua voz nasalada – aposto que tinha voz nasalada, pelo nariz afilado. Poderíamos pensar no senhor Wittgenstein, e perguntar-lhe quem raio lhe fez mal para ele ter sempre aquele ar assustado. Poderíamos pensar no senhor Sócrates, e tentar descobrir-lhe a loucura por se achar esperto assim apenas e só por causa de um Oráculo – logo ele, que era o mais inteligente dos homens, a deixar-se enganar. Poderíamos pensar em milhares e milhares de pessoas, de forma egoísta e com o único propósito de, depois, voltarmos ao mundo que era o nosso – nunca mais voltaríamos a achar nosso o nosso mundo – e dizermos, alto, gritando, de pé em cima de uma cadeira em cima de uma mesa, que tínhamos tocado um finado distinto. No entanto, quando lemos a carta que Kafka escreveu ao pai, quando sentimos a amargura, a infelicidade, o vazio, a impotência, ficamos, só podemos ficar, com vontade de mandar os bigodinhos do Eça, as loucuras de Wittgenstein e as sapiências de Sócrates para um lugar menos verbalizável e de ir a correr pelo canal ao encontro daquele pobre e desgraçado génio e apertá-lo, no abraço que ele sempre quis e que nós nunca tivemos.