Há uma espécie de conflito inultrapassável numa desavença. Por um lado, precisamos da percepção da gravidade do acto para o não repetirmos; por outro, precisamos da suficiente complacência para acreditar que, afinal, o mundo não acabou. Geralmente o equilíbrio é descoberto de forma espontânea. Casos há em que outros aproveitamentos levam uma das forças a puxar demais. O suficiente para partir.
O desejado túmulo
Numa azinhaga escura de arrabalde
haveis de sepultar-me. Que o meu túmulo
seja o lugar escuso para encontros.
Que o jovem desesperado e solitário
vagueando venha masturbar-se ali;
que o namorado sem um quarto aonde
leve ao castigo a namorada, a traga
e a force e a viole sobre a minha tumba;
que o invertido venha ajoelhar-se
à beira dela ante quem esperma vende,
ou deite abaixo as calças e se entregue,
as mãos buscando apoio nessa pedra.
Que bandos de malandros ali tragam
a rapariga que raptaram, e
a deixem lá estendida a escorrer sangue.
Que as prostitutas reles, piolhosas,
na lage pinguem corrimentos quando
a pobres velhos se venderem lá.
E que as crianças que brincando venham
jogar à minha volta, sem pisar nos cantos
a trampa mais cheirosa do que a morte
e que é memória humana de azinhagas,
ali descubram, mal adivinhando,
as nódoas secas do que foi violência,
ou foi desejo ou o que se chama vício
e as lavem rindo com seu mijo quente
a rechinar na pedra que me cobre
(e regressem um dia a repeti-las).
Jorge de Sena (in "Visão Perpétua", 1982)
Os estados depressivos não devem ser afectados com tentativas parolas de «animação». Os estados depressivos são, essencialmente, consequências mais que desejáveis de estados de euforia descontrolada.