Que me perdoe Hume, um senhor que seguramente não ouvia os médicos, a usurpação e posterior deturpação do seu título para este texto. O facto é que nunca fui bom com títulos e prefiro roubar um a um morto, que, no máximo, me assombra, do que roubar um a um vivo, que no mínimo me desanca.
Findo o intróito, manual de auto-complacência, há que inserir a grande revelação que este amontoado de palavras tem como propósito trazer: não é humanamente possível compreender a humanidade. Muitos, demasiados, como sempre, dizem-se capacitados para entender cada traço de cada besta humana que o acaso lhes bote junto à venta. Tecem longos considerandos sobre a personalidade, as razões da personalidade e mais uns feijões. E há quem os oiça. Ora sucede que raras são as razões da humanidade que a própria razão conhece, além de que qualquer pueril análise do outro é sempre minada por um verdadeiro Génio Maligno, que é a incapacidade generalizada das gentes em compreender que não somos todos iguais. Posto por outros termos, todos concebemos, invariavelmente, os outros à nossa imagem nas raízes do Eu. Este vício a montante implica que as derivas invasivas de compreensão alheia acabem num pote em cacos a jusante. A situação chega ao estado de calamidade quando, baseados nas nossas análises que julgamos perfeitas, tentamos mudar o outro, ou, como nós dizemos, ajudá-lo a tornar-se melhor. Como se algum de nós, manuais de desperdício de matéria, fosse exemplo para quem quer que seja.
Escrever um poema é, de todas as tarefas a que os humanos se podem propor, a mais difícil. Conseguir colocar em poucas, curtas linhas um pedaço de carne viva e pulsante é coisa que apenas a alguns iluminados, verdadeiros heróis épicos, está destinado. É por isto que sorrio quando badamecos iletrados me dizem «Sou poeta». São poetas mas é o caralho.
Tenho saudades minhas.
A amizade é, ao contrário de tudo o que se possa pensar, o sentimento mais egoísta que podemos ter. O que nos faz construir uma amizade, e que se cale quem diz que as amizades não são construídas, é o puro interesse pessoal. Falo aqui da escolha das pessoas e não da opção por construir amizades em si – as relações humanas são uma necessidade que só alguns, fingindo-se menos humanos, rejeitam. Escolhemos uma pessoa porque lhe gostamos da voz doce e afectuosa, porque lhe gostamos do sentido prático, porque lhe gostamos da alma sonhadora, porque lhe gostamos de identificar características que gostamos de pensar que são as nossas, porque lhe gostamos de imitar os jeitos que gostaríamos de ter. Na base, um amigo é um puro instrumento. Lá porque usamos o instrumento para o bem, não deixa de ser um instrumento. Eu uso os meus para tentar arrancar um pouco de bom da carcaça aguada. Em troca, deixo-os usar-me um pouco, apesar de não encontrar grande interesse nisso.