Há alturas em que só me consigo sentir feliz, genuinamente feliz, junto da ironia arrasadora de um Eça, da arrogância justificada de um Nabokov ou da bílis saborosa de um Céline. Os livros, sempre os livros.
Num mundo de putas, seja das que se prostituem ou das que o não fazem, em que qualquer geração futura está previamente condenada a ser delas filha, pouco resta além da genuína vontade de mandar tudo, tudo, tudo desintegrar-se num belíssimo espectáculo de divino fogo-de-artifício. Tudo para o bom velho caralho, portanto. E só não digo que isto só dá vontade de morrer, porque não dá. Dá mais vontade de matar.
Amor, amor, amor, como não amam
os que de amor o amor de amar não sabem,
como não amam se de amor não pensam
os que amar o amor de amar não gozam.
Amor, amor, nenhum amor, nenhum
em vez do sempre amar que o gesto prende
o olhar ao corpo que perpassa amante
e não será de amor se outro não for
que novamente passe como amor que é novo.
Não se ama o que se tem nem se deseja
o que não temos nesse amor que amamos,
mas só amamos quando amamos o acto
em que de amor o amor de amar se cumpre.
Amor, amor, nem antes, nem depois,
amor que não possui, amor que não se dá,
amor que dura apenas sem palavras tudo
o que no sexo é o sexo só por si amado.
Amor de amor de amar de amor tranquilamente
o oleoso repetir das carnes que se roçam
até ao instante em que paradas tremem
de ansioso terminar o amor que recomeça.
Amor, amor, amor, como não amam
os que de amar o amor de amar não amam.
Jorge de Sena, in Peregrinatio ad loca infecta, Portugália, Lisboa, 1969 (poema de 1965)
Quase tão bonito como o som que o piano vai vomitando é a sinuosa dança da pianista.
A busca da felicidade consiste, simplesmente, em evitar uma posterior busca do tempo perdido (‘tá-se Proust?).
Ontem só queria um papel e uma caneta. Não havia.