Quando passo a ferro apercebo-me do quão sobrevalorizado é o conceito de perfeição. É uma luta tola por um ideal essencialmente imperfeito (o que não deixa de ser curioso – a perfeição é um ideal imperfeito). Deixo sempre sete vincos nas camisas. Conto-os sempre. Agora seria bastante expectável que eu contasse os vincos no texto, para dar ao leitor o sentimento do meu quase autismo, mas queremos evitar esse tipo de fórmulas comuns. Contar os vincos aqui serviria apenas para que o leitor saltasse. Nenhum iria ler cada uma das sílabas como se estivesse realmente a contar. O leitor passaria os olhos e, no seu cérebro, perceberia «ele está a contar» e saltaria para a frase que se seguisse. Não se pode culpar. Gostava de contar o número de textos em que os autores contam e expõem o processo de contagem para criar um «real» na mente do leitor, que não é nem mais nem menos real que tudo o resto que se escreve. Claro que tudo isto interessa muito pouco, no fim. Teorizar sobre as contagens em literatura. Contabilizar as contagens em literatura. Perguntar aos contadores literários o que os levou a contar na literatura que decidiram produzir (geralmente esta literatura é «produzida»). A produção literária faz-me sempre lembrar o Orwell. Lembro-me daquela passagenzinha do 1984 em que os computadores produzem os romances para que as pessoas leiam. Os romances não são obras criadas. Respeitam algoritmos. Enfia-se por um computador acima o que as pessoas gostam e sai de lá um cagalhão cheio de «experiência estética». A arte também deve ser sobrevalorizada. Afinal, tudo o que é isso da experiência estética pode ser feita por algo além de carne. Ou pelo menos é o que nos dizem. E a gente tem de acreditar.